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Arquiteto Marko Brajovic fala sobre projeto de escola flutuante

Na A&C de janeiro você conferiu a proposta de um grupo de arquitetos e estudantes. Aqui, poderá conhecer mais detalhes sobre suas inspirações e objetivos

Por Giuliana Capello
Atualizado em 9 set 2021, 12h08 - Publicado em 16 jan 2018, 17h00

Imagine morar numa região como a do Lago Mamori, a seis horas de Manaus, onde o aquecimento global já fez famílias perderem suas casas numa cheia histórica e, tempos depois, enfrentar a escassez durante uma grande seca. Como seria a arquitetura mais adequada a essa nova e desafiadora realidade? Como adaptá-la à cultura local? Este foi o desafio lançado ao grupo de arquitetos e estudantes da inglesa Architectural Association School of Architecture, que passou oito dias em imersão na floresta, em um workshop. Em 2017, o projeto foi um dos 35 finalistas do concurso What Design Can Do – Climate Action Challenge, entre os 384 concorrentes, de 70 países. Para lidar com as mudanças climáticas, que impõem variações severas no nível dos rios amazônicos, o projeto aposta em construções flutuantes inspiradas em soluções encontradas na natureza localO professor e arquiteto Marko Brajovic, que acompanhou o grupo, contou mais detalhes sobre a experiência.

 

Como as comunidades locais percebem o problema das mudanças climáticas?

É algo relativamente novo para eles, mas inegável. É difícil lidar com as questões climáticas na região. O calor está aumentando cada vez mais, há mais mosquitos, lixo e esgoto nos rios, e isso tudo afeta também a saúde da população. Durante o workshop, tentamos identificar as maneiras como a população se relaciona com as flutuações dos rios e também como a natureza lida com isso.

 

Há sete anos, a região do Mamori passou a contar com energia elétrica. O que mudou na arquitetura de lá para cá?

Esse é um ponto importante, porque a população já vinha se afastando de métodos construtivos tradicionais, trocando materiais naturais e técnicas mais antigas por materiais de construção “novos”, como telhas de alumínio e forros de PVC, criando habitações mais quentes e desconfortáveis. Assim, com a energia elétrica, alguns moradores instalaram ar condicionado nas casas, deixando ainda mais de lado outras soluções de design e arquitetura capazes de proporcionar conforto térmico, com baixo impacto ambiental.

 

Vocês se inspiraram na biomimética?

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Sim, e tivemos uma ajuda especial da bióloga Alessandra Araújo, especializada nessa área da ciência que estuda estruturas e soluções de design naturais que podem ser “imitadas” e incorporadas em contextos humanos. Depois de observar algumas plantas aquáticas e padrões encontrados na Amazônia, optamos por propor uma construção flutuante, com camadas e texturas funcionais, que protegem o núcleo e ainda ajudam a controlar a umidade e o calor, além de facilitar o manejo das águas.

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Conte um pouco sobre o projeto de vocês…

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A ideia foi criar um centro educacional flutuante, para ser usado pela comunidade como um local de encontro e estudos sobre a questão do clima, mas também como um lugar para receber visitantes e turistas, ou seja, uma alternativa de geração de renda para os moradores. Queríamos também algo que pudesse ser replicado em outras regiões do mundo que têm características semelhantes e são afetadas pelo mesmo problema, num intercâmbio global de boas práticas.

A tipologia radial é formada por 40 módulos estruturais, cada um com 8,70 m de raio e 13 peças de madeira. O conjunto lembra um cesto artesanal e foi pensado para ser leve e montado com mão de obra local e toras certificadas (previstas com o mesmo perfil de 6 x 12 cm em toda a obra, a fim de maximizar o aproveitamento). (Divulgação/Divulgação)

 

Você poderia detalhar um pouco o projeto arquitetônico?

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A proposta é de uma construção feita com materiais naturais disponíveis localmente (porque o transporte até lá é algo complicado) e técnicas construtivas que permitam que a própria população realize a obra, fortalecendo, assim, a autoestima das pessoas. Toda a madeira deverá ser certificada, para garantir o rigor na boa origem do material. A construção, pensada para ser leve, lembra uma cestaria artesanal comum na região e também alguns padrões encontrados na natureza, com painéis fotovoltaicos na cobertura (de telhas corrugadas) para gerar energia limpa. A tipologia radial é formada por 40 módulos estruturais, cada um com 8,70 m de raio e 13 peças de madeira. A ideia é que toda a madeira utilizada tenha o mesmo perfil, de 6 x 12 cm, para maximizar o aproveitamento, reduzindo desperdícios e a geração de entulho. Uma balsa integrada aos pilares garante a flutuação, com barris plásticos que sustentam a construção.

 

Como é a divisão dos espaços no projeto?

Na parte mais externa, temos uma grande varanda ao redor de toda a construção, que serve como proteção nas tempestades e também do sol excessivo. Depois, temos  espaços multiusos com divisórias em madeira que se adaptam às necessidades dos usuários, com uma cozinha. O núcleo central é aberto para um pomar (integrado à cozinha) e para o sistema de tanques que tratarão o esgoto, com um deck e uma área de ventilação. Essa abertura central servirá também para eliminar de dentro da construção o ar mais quente, garantindo uma temperatura interna mais amena e agradável.

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Tratar o esgoto seria um dos grandes desafios do projeto?

Sem dúvida, é o maior deles. Por isso, previmos uma área central, aberta para o rio, para receber tanques de depuração do esgoto que, após tratado, pode voltar às águas sem contaminá-las. Essa parte ainda precisará ser mais detalhada, para que possa ser realmente funcional.

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Como seria a interação entre várias dessas construções flutuantes?

Quando unidades flutuantes são combinadas (em um formato circular, por exemplo), elas formam uma comunidade flutuante que pode gerar novos jeitos de viver. É isso que queremos. Agora, estamos numa fase de captação de recursos para viabilizar a construção do protótipo…

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