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Entrevista com Paulo Bruna

Professor universitário, o arquiteto é autor do projeto de requalificação do Edifício Riachuelo, no centro de São Paulo, em moradia social

Por Cristiane Teixeira
Atualizado em 9 set 2021, 10h46 - Publicado em 13 jun 2018, 14h42

A&C: Qual a sua opinião sobre aumentar o número de moradores na região central de São Paulo?

Paulo Bruna: Essa ideia de morar no centro existe desde a gestão da Marta Suplicy (2000-2004). Quando ela assumiu a prefeitura, ela reuniu um grupo de assessores que montou um programa chamado “Morar no Centro”. Esse programa tinha como pressuposto a ideia de que o centro ainda é um local de trabalho; porém havia e há uma grande quantidade de prédios com as lojas no térreo ocupadas, mas com as unidades superiores vazias. Então a ideia era transformar essas unidades em moradia para que os trabalhadores pudessem ir a pé para o trabalho. Ou seja, eles não precisariam gastar dinheiro com transporte e gastariam menos tempo. E a cidade deixaria de crescer de uma forma absurda tendo de levar transporte, água, eletricidade, coleta de lixo e polícia a distâncias cada vez maiores. Quer dizer, você tem um centro equipado, com duas linhas de Metrô que se cruzam ali, serviço completo de eletricidade, telefonia, coleta de lixo, segurança… tem tudo no centro e um número muito pequeno de pessoas morando ali.

Edifício Riachuelo – Antes (Sonia Gouveia/Divulgação)

 

A&C: O seu escritório foi o responsável pela requalificação de um dos prédios da área central, o Edifício Riachuelo. Como foi esse processo?

Paulo Bruna: Naquele momento da gestão Marta, ela identificou dez edifícios que deveriam ter condições de ser comprados pela prefeitura, reformados e destinados a aluguel social, como se cogitou num primeiro momento. Cada um deles foi licitado e nós nos interessamos pelo prédio hoje conhecido como Riachuelo. E ganhamos a licitação. Mas o prédio tinha sido construído em 1942, 1943, por uma empresa que já não existia nos anos 2000 e toda a documentação sobre ele havia se perdido. Então tivemos de levantar todas as informações sobre a sua estrutura. Em função da análise que fizemos, com corpos de prova, a Cohab decidiu comprar o prédio, pois percebeu que ele estava em perfeitas condições, apesar de toda a destruição promovida por invasores quando a polícia realizou uma ação de reintegração de posse. As plantas originais mostram que os andares estavam divididos em escritórios e salas de aula, com os banheiros no fim do corredor. Na época da construção, não havia aço disponível porque o mundo estava em guerra, então como é que o prédio podia estar tão bem construído? Concluiu-se que as paredes que delimitavam os escritórios eram feitas de tijolos maciços de barro e que elas funcionavam como contraventamento da estrutura. Ou seja, a gente não podia tirar essas paredes, porque elas é que davam estabilidade ao prédio. Então os apartamentos foram formados entre essas paredes, com o acréscimo de cozinha e banheiro. Mas demorou para fazer tudo isso e o prédio só ficou pronto em 2008, já no sucessor da Marta Suplicy.

A&C: O Brasil tem um histórico de interrupção de projetos nas mudanças de gestão. Então, pergunto: o que aconteceu na sequência?

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Paulo Bruna: Na gestão do Gilberto Kassab, o Ricardo Pereira Leite [primeiro como presidente da Cohab e depois como secretário de Habitação] se interessou muito por essa ideia de morar no centro, de voltar a ocupar esses espaços vazios. Mas, na verdade, eles não sabiam quantos prédios havia. Então eles contrataram a Fupam, uma fundação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, para saber quantos prédios vazios tinha no centro. Esse estudo demorou alguns meses, mas concluiu que havia uns 160 prédios nessas condições no centro expandido, que pegava República, Santa Cecília, ia até o Mercado [Municipal da Cantareira]. Prédios de bom tamanho. Selecionaram-se 60 deles para serem desapropriados e dar continuidade à ideia de morar no centro. Mas na semana seguinte em que se tomou essa decisão, esses prédios foram invadidos. Todos. Os movimentos de moradia, por uma decisão errada, decidiram invadir esses prédios.

Edifício Riachuelo – Depois (Sonia Gouveia/Reprodução)

 

A&C: Por que uma decisão errada?

Paulo Bruna: Porque os movimentos imaginavam que os invasores seriam os primeiros a ocupar os prédios após as reformas. Mas não. A prefeitura bloqueou o processo, porque se os prédios fossem requalificados, haveria um sorteio. Depois, não se pode desapropriar um prédio ocupado. Moral da história: o assunto morreu.

 

A&C: Mas essa ideia foi retomada posteriormente.

Paulo Bruna: Sim. No fim do mandado do Fernando Hadad, ele emitiu uma lei que valoriza a HIS [Habitação de Interesse Social] e tem um artigo muito interessante. Veja bem, esses 160 prédios e muitos outros erguidos décadas atrás foram construídos com o coeficiente de ocupação da época, muito superiores aos de hoje. Então, se você for construir prédios novos, além de toda a despesa de demolição e transporte do material, você não consegue construir a mesma área. O que diz a lei, então? Para fins de requalificação, você pode não só manter os coeficientes originais como pode até aumentá-los – desde que para melhorar as condições de segurança, com novas escadas, novos elevadores, novas caixas-d’água… Isso anima gente que mesmo não estando naquela listagem da Fupam tinha prédios vazios. É um número extremamente grande de edifícios vazios.

 

A&C: O senhor sabe de proprietários que tenham interesse em transformar seus prédios em habitação social?

Paulo Bruna: Eu conheço um proprietário que tem dois prédios que lhe causam um prejuízo colossal, porque as lojas estão ocupadas, mas os edifícios em cima estão vazios. E ele é obrigado a manter a segurança 24 horas por dia e o IPTU. Então nós sugerimos a ele que fizesse essas requalificações porque a CDHU tem uma lista de 160 mil famílias – com condições de conseguir um financiamento – interessadas em morar no centro. A ideia seria, então, que o proprietário fizesse a reforma e, assim que as plantas estivessem prontas e a obra aprovada, a CDHU faria um sorteio entre as famílias interessadas. A CDHU ficou tão entusiasmada que ela mesma está comprando os edifícios, porque ela acha que isso dá maior velocidade ao processo. E o proprietário também ficou satisfeito porque está recebendo um valor menor do que gostaria, porém se livra de um problema. A CDHU está comprando 10 ou 12 prédios, de tal maneira a começar um processo de reciclar os prédios com habitação de interesse social. Essa é uma ideia positiva.

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