Casa em terreno inclinado foi projetada pelos moradores
O terreno assustou vários compradores até encontrar um casal de arquitetos, que viu na inclinação uma oportunidade para explorar a vista
Por Mayra Navarro (visual) e Silvia Gomez (texto)
Atualizado em 27 fev 2024, 16h55 - Publicado em 27 jul 2018, 11h08
Se a inclinação de 60% do terreno em São Paulo podia sugerir um pesadelo para um comprador comum, para os arquitetosFernanda Neiva (Galeria Arquitetos) e Alvaro Puntoni (Grupo SP), nada mais era do que outro exercício de desenho. Clientes de si mesmos na construção da própria residência, eles usaram o lote de 14 x 25 m como um laboratório de como projetar num aclive forte sem movimentar tanta terra.
“Ainda assim, retiramos 70 caminhões. O lote começava a 1,40 m da rua e subia naturalmente 14 m. Como pensar uma arquitetura que resolvesse essa situação e permanecesse dentro do nosso limite financeiro?”, fala Fernanda. Para isso, alguns procedimentos encaminharam o processo, conjunto de lições que podem inspirar quem está pensando em construir. Primeira diretriz: pensar como se quer viver – e conviver – ali, todo dia. “Desde o começo, entendemos que a sala deveria ficar em cima, onde há a melhor vista. Apesar de restritiva, a legislação do bairro permitia a ocupação do andar de baixo com garagem, piso normalmente destinado ao trecho social”, conta Alvaro.
E, nesse patamar, o privilégio seria, sem dúvida, da cozinha, uma vez que ambos têm o hábito de receber. Segunda diretriz: abrir mão de regras aparentemente imutáveis. “Tem coisas que você só consegue fazer em uma casa de arquiteto. Aqui, por exemplo, não precisamos convencer nem um nem o outro de que a sala poderia dispensar o lavabo”, diz Alvaro.
O ambiente,no entanto, existe: foi parar no andar abaixo, dos quartos, acima da garagem. Outra: paredes precisam sempre de massa corrida e revestimento? Aqui, não: os blocos deconcreto surgem aparentes, assim como a tubulação elétrica, em canos de aço galvanizado. Quarta diretriz: manter o controle dos custos, da implantação ao interruptor. “Eu mesma orcei cada item. O piso, por exemplo, ganhou ladrilho hidráulico em todos os ambientes, o que deixou o valor cinco vezes mais baixo quando comparado à madeira”, revela Fernanda.
Mas foi a estrutura – mescla de concreto armado e alvenaria de bloco com pilares embutidos – o maior desafio. “São dois volumes, um anterior e outro posterior, articulados verticalmente pela escada. Conseguimos ter poucos arrimos, apenas na garagem. Se o terreno fosse cortado como as construções vizinhas, seria necessário um muro de quase 10 m, caríssimo.” Nos fechamentos, painéis de aço pintado nas laterais se revezam com bastante vidro na fachada.
“Seria um absurdo fazer uma casa vedada para a paisagem”, comenta Alvaro. Por isso mesmo, toda festa termina no grande deck da cobertura, lá em cima. Espécie de continuação da sala, esse mirante é outro bom fruto da relação inteligente da arquitetura com aquele aparente pesadelo inicial.
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